sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Meu Pai... meu Idolo

Como tudo na vida tem um princípio e o meu devo-o aos meus Pai e Mãe, esta é uma história passada a seguir a 1935, é um preito de homenagem a um homem simples e devotado á familia numerosa e que tudo fez para nos dar o que hoje somos. Obrigado Pai


Meu Ídolo…

Tinha um olhar azul anil tão prescrutante como uma onça, via mais longe do que era o necessário, e sabia esperar pacientemente, uma lição de espera que para qualquer outro ser humano poderia ser inquietante, mas não para ele quando se sentava de cócoras e passava todo o tempo que fosse necessário para que pacientemente a presa se sentisse tranquila, tal como a onça atirava-se á presa quando esta finalmente estaria confiante do seu espaço, assim era este caçador que sem pressa se fazia ás presas de que necessitava para gerir a sua vida.
Só havia mais pressa quando cavalgava no seu cavalo e se metia entre as manadas de gungas*, fazendo-o galopar célere entre elas para que se focalizasse nas peças a abater e muito rapidamente pois o factor surpresa na manada era crucial, após o primeiro minuto de confusão entre os animais, todos partiam em debandada desenfreada e a escolha acertada das peças a abater tornar-se-ia extremamente difícil, mesmo numa chana** livre mas com espinheiras na orla mais ou menos fechadas entre elas, que faziam rasgar a pele mesmo protegidas por qualquer couro mais duro que fosse colocado para protecção.
Toda esta azafama teria de ter o seu final rapidamente, no objectivo metido o cavalo a galope entre a manada e munido de uma mutunga***, emparelhando-se com o animal escolhido era necessário posicionar-se deitado lateralmente na sela e executando sobre os quartos traseiros da presa um golpe profundo nos tendões para o fazer cair e assim executando este malabarismo á esquerda e á direita, peça atrás de peça até conseguir um determinado numero de animais que se estabelecera como objectivo, mas evitando ferir fêmeas e crias. Escolha acertada muito dificultada na corrida em galope.
Passada a poeira e o resto da manada em fuga, outras tarefas se propunham na continuidade do havia começado, regressando aos locais onde estavam caídos os animais abatidos, lhes era dado o golpe final pelos seus colaboradores, gente do povo e exímios rastreadores e caçadores de zagaia****, que culminavam com um simples corte de medula.

Cena pungente final presenciada pela minha mãe que evitava ir ás caçadas, fora a de que uma gunga ferida e perto do golpe final que lhe seria executado, tinha lágrimas deslizando pelo focinho.
A vida deles obrigou-os a tomarem uma atitude frontal para os meios de sustento familiar, conversei muito com o meu Pai nos seus ultimos anos de sua vida, e concluiu que a caça não era de modo algum seu hobby predilecto, foi essêncialmente um meio de sustento necessário a uma transição de vida, e ainda bem que assim aconteceu, aprendemos com ele a arte de usar sómente o que era imprescindivel para vivermos tudo o mais era supérfluo, mas em tempo oportuno e fora do seu "tempo de caça" deu-nos as lições necessárias sobre a arte "matar por prazer não é o objectivo do homem", com isso posso afirmar que cacei sob sua orientação, mais tarde sózinho e cedo conclui que não havia nascido para tal, prefiro a caça por fotografia. Não me dá gozo ver um animal morto, prefiro vê-los na pujança de suas forças, defendendo-se ou atacando de acordo com as regras da sua natureza.

SAM


* gunga = antilope de grande porte
** chana = planicie aberta de capim alto
*** mutunga = faca artesanal de lamina comprida
**** zagaia = pequena lança ornamentada

Continuará…

1 comentário:

Rómulo disse...

Sérgio revejo algumas cenas de infância e a noção de implacabilidade da vida. Há coisas que só quem viveu...
Abraço, parabéns a pai e filha!...
Abraços