quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Gnus ao vivo

A manhã prometia, o sol surgira ás seis e quinze mais ou menos brilhando sobre a tchimpaca enorme e vermelho no seu despontar, um pouco depois da nossa hora habitual de acordar, claro que o primeiro café da manhã já cheirava de longe no seu aroma inconfundível, e como que arrastados no ar saímos para a varanda das traseiras, e neste espaço debaixo de uma enorme mandioqueira o nosso cozinheiro Palanca de seu nome, já preparava na velha cafeteira de esmalte o divino néctar que nos despertava os sentidos, o frugal desjejum com uns bolitos secos que a minha mãe fazia, cada um com sua caneca, desfrutando juntos os mil paladares dos sons da vida e dos cheiros do mato vindos a cerca de cem metros da tchimpaca onde as perdizes, rolas, codornizes, capotas e tantas outras aves que se dessedentavam e se ensaiavam em coro para mais um dia, e nós colocando em ordem os pensamentos do que iria decorrer nas horas seguintes.
Sob a mandioqueira, numa mesa executada de um tronco de mutiate, iríamos ter dentro de uma hora um pequeno-almoço bastante aconchegante, entre bifes de olongo e uns ovos estrelados, café, leite, natas e pão caseiro preparava-nos para uma corrida com a fauna viva no seu habitat.
O primeiro café era para acordar e dar a vontade de fumar um cigarro, e dar uma volta de jipe na cercania verificar os estábulos de onde o gado começava a sair para o pasto.
A vida no seu pleno ciclo corria de acordo com o avançar lento da manhã sem pressas, onde tudo tem lugar na sua hora certa e não se corre sempre, só quando queremos e temos de correr, como aconteceu.

Depois de uma rápida vistoria ao gado preparamo-nos então para a segunda etapa, verificar os utensílios de apoio logístico composto de garrafa térmica com café, a célebre latinha com fatias de bolo preto, e os sacos de lona com água sempre fresca que ficavam pendurados nas portas do jipe, mais as armas ajustadas nos seus alforges e respectivas munições, e não esquecer que os cães já adivinhavam o movimento pela sua inquietação e ladrar constante de satisfação para uma saída que desejavam há muito tempo, o abanar das suas caudas e saltar para a carroçaria do jipe era a clara confirmação dos seus desejos. Mas desta vez não era possível levá-los, ficara prometido que numa saída nocturna iriam e assim mais tarde também aconteceu e será narrada a aventura de uma boxer.

A partida estava programada para dali a pouco tempo e fizemo-nos ao programa ao tomarmos rumo a nascente em direcção ao rio Cunene, não foram necessários muitos quilómetros andados em carro, mas o suficiente para que ficássemos isolados de qualquer vestígio de civilização, pois estávamos em pleno mato rodeados de mutiates, alguns munheres, capim e em terreno chamado de barro preto, zona de baixio por onde corria água na época da chuva formando mulolas até chegar ao rio, zona preferencial das manadas de gnus, e impalas, pois a vegetação nesta zona ainda era de alguma quantidade e qualidade para a sua alimentação até á chegada das chuvas e renovação das pastagens.

Apeados do nosso Land Rover a caminhada a seguir prometia, primeiro e em silêncio e cada um carregando o equipamento que lhe competia, era dada pelo líder a introdução a pequenas indicações de como agir perante o inesperado, aparecimento de cobras ou outra peça que não a desejada e como as evitar sem alarmes, e o que se esperava de cada um de nós num compromisso de equipe era o silêncio absoluto, a visibilidade entre nós, e fundamental a pesquisa de direcção do vento e caminhar o que fosse necessário para contornar a presa para que esta não nos detectasse pelo cheiro do “homem”.

Decorrido algum tempo de caminhada e algum desânimo pela ausência do que esperávamos ver, eis que surge de repente uma mancha de cinzenta a negro fumo (Gnus) entre o castanho e verde da vegetação, primeiro difusa e com alguma poeira á mistura provocada os inquietos animais, aquietamo-nos rapidamente e agachados á altura do capim enquanto o meu pai traçara os passos seguintes a executar, ele seguiria com os nossos convidados para que lhes fosse dada a oportunidade de abater uma ou duas peças, e nós ficaríamos naquele local para uma segunda chance face á probabilidade dos animais correrem para aquela zona pois estávamos com vento a nosso favor, no fundo indetectáveis quer pela fraca visibilidade quer pelo vento contrário.
Presumia-se que ao ser efectuado o cerco nestas condições e ao primeiro tiro, a manada de gnus rebentasse num estouro em galope desenfreado pela mulola fora, vindo a passar á nossa frente onde poderíamos consumar mais um abate.
Mas nem sempre tudo é como se pretende e a natureza é imprevisível e nós erramos no pressuposto, após o primeiro tiro realmente caiu um animal, mas os outros alertados pelo estampido correram na direcção contrária para poente, colocando-se com o vento a favor deles e o que nos obrigou a uma dura caminhada árdua de mais de hora e meia tentando circundar novamente a manada, o que de facto conseguimos e nesta oportunidade conseguimos mais dois abates em que um único tiro seccionou por capricho as pernas traseiras de um animal e as do lado direito de outro, sendo de seguida consumado os seus abates.

É dada por terminada a caçada por três peças, porém havia que as localizar e marcar caminho de modo a que o jipe lá chegasse para as carregar, mais longas caminhadas a pé e a mim competiu-me esta responsabilidade assim como de abater as ultimas duas feridas.
Óbvio que um dos ajudantes do meu pai, o Chitumba, um Mu’Cuanhama de gema pessoa de um carácter invulgar me ajudou na orientação de regresso ao jipe e daqui mais fácil foi para mim chegar aos locais onde estavam as peças abatidas para carregar.

Olhando para as horas decorridas o tempo do almoço já passara há algum tempo e déramos conta que os nossos estômagos estavam vazios e roncando, mas nada que não fosse mais providencial que a garrafa térmica com café e fatias de bolo preto mais uns bolinhos secos, e ainda os cantis de lona com água fresca para nos aliviar. Regressados a casa cansados para um banho regenerador e uma refeição á base de carne seca assada, bifes, e pirão com leite azedo.
A noite com os seus sons característicos chegara tranquila e as conversas sobre o dia tiveram a nota alta no convívio que se seguiu.

Trinta anos antes estas cenas ou semelhantes foram de carro boer e a cavalo nos mesmos locais, eu não estava lá nessa época mas sei que o meu Pai as viveu intensamente, como gostaria de ter passado por isso e o que acabei de narrar foi um facto ao vivo em que eu fui parte integrante muito activa e ainda bem jovem nos anos 60.

SAM


Recordaria no melhor filme da minha vida.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Sentir de novo a minha Terra (Huila)




Queria senti-la de novo
A alegria enorme e arrebatadoramente envolvente
Quando no seu chão eu pisei
Terra que de tons avermelhados
O seu aroma inefável me inebriou longamente
Escassos mas eternos foram os segundos
Em que fui regressado ao passado
Passado, presente e futuro
Tudo se misturou numa amálgama
Difusa sem contraste no limiar
Da porta de passagem de um tempo para o outro

A velocidade do meu pensamento
Misturada com a saudade do passado
Prostrara-me ao facto da realidade,
És e estás aqui e agora, Ama-a ou deixa-a
Deixá-la, nunca mais na vida
Uma vez chegou e sobraram dores
Amá-la-ei sim, e para o resto dos meus dias
Numa intensidade duplicada
Por cada lapso de tempo de ausência física
E este tempo é incomensurável

É o tempo do meu tempo
É o tempo que eu não vivi
É o tempo que eu não amei
É o tempo que eu me esqueci
Quase de mim próprio, de onde nasci
Porém foi o tempo que ela não me esqueceu
Foi o tempo de uma vida
Foi o tempo que ela se guardou para mim
Com coisas e pedaços que só eu e ela sabemos
Dos retalhos da nossa vida
Pedaços alegres que agora recebi nas minhas mãos
Não deixaram que meu coração se partisse em pedacitos.

SAM

O trapo "farrapo"

O sonho do ser que teima em ser
O que não é, mas apenas porque o quer
No seu desejo arrasta-se, lento
No tempo que lhe sobra do tempo que não viveu
Agarra-se ás feridas, nas calçadas
E nos caminhos que palmilhou, olhando sedento
E ressequido para a miragem inglória, da má fortuna
Que lhe leva na vida a vontade de voltar
A ser o que era, passar do farrapo ao pano

Velhos são os trapos, diz-se por aí
Porém trapos foram panos de belos estampados
Debruados de rendas aplicadas, da vida que passou
Limpando tudo a troco de nada, fez o brilho efémero
De um cristal escurecido no passado
Cujas arestas vivas lhe rasgaram o ventre
Juntando cicatrizes de várias vidas que se cruzaram na sua
Brilhou o ouro e a prata, poliu e resplandeceu nas luzes
No teatro da vida e morte quis passar incólume.

O tempo, seu inimigo fatal não o poupou
Tornou-o esgaçado, roto e inútil
Atirado para um canto húmido e frio
O fétido tresanda na obscuridade vil
Vingança consumada num último esgar
Antes de ser despedaçado
Sujar-se com o que ninguém quer
Na lama fedorenta se liberta finalmente
Na sua alvura de linho puro.

SAM

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Tempo do meu tempo...

Tempo do meu tempo para os meus amigos,
Eu dedico uma parte desse tempo.

Escassos minutos do meu tempo eu levo
A escrever para dedicar aos meus amigos a minha Amizade
Menos tempo sobrará dos meus amigos para mim

Por estarem a ler o "tempo do meu tempo"...

Multiplico o tempo deles por eles, e do mundo todo o tempo tenho para a eternidade.

Com todo o tempo do mundo num abraço...


Para quem tem tempo para ler o que escrevo.

SAM

Ser mulher Angolana

Imagino…
É difícil imaginar sem se viver
Nascida de norte a sul
Não interessa a cor
Sentimos o seu perfume
É flora é fauna e procria
É feminina no seu todo
Nua, ou vestida de estrelas
Galáctica brilhante na sua tez
Bronzeada do sol,
Fresca na floresta
Alegre na savana
Misteriosa na praia ao luar
Risonha no planalto se banha
Em cascata de água cristalina
Revitaliza a sua nudez
No luar não se envergonha
Sua pele faz brilhar
A nuvem não quer ofuscar sua beleza
Mesmo quando chove
Gotas de água ficam mornas
Depois de sua pele tocar
Tal é a sua capacidade de amar
Assim sinto o calor de uma Angolana

Já não imagino…constato simplesmente

SAM

Sabes Mãe...




Sabes Mãe Tenho medo
Sinto um medo terrível
Porque um dia deixarei de te ver
Tenho muito medo de ser órfão
Tenho pavor da solidão e da ausência materna

Sabes Mãe
Porque me deixaste estar contigo sempre
Porque me nasceste, e me ajudaste a crescer
Sei que um dia mesmo órfão que seja, serei feliz
Na felicidade que tu me deste e ensinaste a buscar
Sabes MãeDeixa para lá, eu sei que sabes, são coisas que ouvi
Rumores, coisas esquisitas...será possível que aconteça?
Eu sei que sou indefeso, tenho consciência disso
Por isso me geraste, não me deixaste de fora.

Obrigado Mãe


SAM

Eu sou canhoto...

É curioso como a sinto e vejo tudo claramente
E leio o que redijo, quando é ela que escreve
Sei o quanto que escreve, e sei que não mente,
A sua razão e a vontade a que ela se remete

É a minha mão esquerda, apresento-a
E porque não é a mão dextra erguida?
Julgo perceber que é por razões de sigilo
Porque de outro modo não seria compreendida

Gosto de, quando e como ela escreve e o que quer dizer
É sonhadora romântica e sensual num poema
Pode ser inconveniente e dura de parecer e crer
Numa prosa, em que não se preocupa com a rima

A minha mão, esquerda ou não é minha, não é fictícia
Direita ou não, pertencem-me, foram-me dadas
Uma é suave, leve ao simples toque de uma gota em carícia
A outra é forte, rude e até do trabalho calejada

Junto as duas nas palmas e noto como são opostas
Por assim serem, elas se prestam para uma oração
Tão extremas na sociedade, e no meu ser tão próximas
Qualquer delas está perto meu coração

Desejo que a minha mão esquerda nunca perca
A oportunidade de dizer o que sente
Assim como, que a minha mão direita
Se comprometa a defender a sua gente

Para evitar equívocos e outras deduções
Gosto de ambas, escrevo certo com as duas, mesmo torto
Queria que o que elas escrevessem ficasse nos vossos corações
Mas a razão principal desta minha mão, “é que sou canhoto”

SAM

domingo, 26 de agosto de 2007

Negro


Sou negro por dentro, branco por fora
Tem hora que se sente quando é o tempo de…
Partir, procurar o sonho e viver
Tem dia que se sabe quando não vai chover
Por isso vou levar o meu gado á tchimpaca para beber
Tem hora de calor que faz parar o tempo
Tem dia que me chamam de branco teimoso
Mas tem hora que fico negro, perto do meu tchoto
Sentado perto olho para as estrelas do céu no crepúsculo
Vejo nele o meu Sul no Cruzeiro da via de Santiago
Fico a escutar na hora do uivo do lobo e o choro da hiena
Tento ver o noitibó e o mocho, mas só o seu piar vislumbro
Sei que a noite está para eles como África está para mim
No crepitar da fogueira os galhos secos ardem
Desenham manchas de vermelho e amarelo,
Quente como o sangue que me alimenta a vida
Dançantes e sinuosamente envolventes contra o escuro da noite
Meus olhos não se cansam de ver o seu bailado
Fogo consumidor de vida inerte e seca
Aquece-nos a alma para o conforto do espírito
Ser negro, ser branco não importa a cor
Importa sim o que se sente pelo que se ama
Ser capaz de olhar e sentir do mesmo modo
Como quem na minha terra nasceu.

Eu nasci na minha Terra, não interessa a minha cor. SAM
tchimpaca = peqena lagoa para reserva de água
tchoto = fogueira
noitibó = pequeno lémur noturno

sábado, 25 de agosto de 2007

Meu voo meu sonho




Já sonhei, já voei
E voltarei a voar
Voarei sempre que sonhar
E sonharei sempre que voar
Rés ás areias quentes
Circundando as dunas nas areias soltas
Que se movem á velocidade do vento
E é á velocidade do meu voo
Que as toco com os meus dedos e as desenho


Já rasei planos de água nas marés
Que só os dedos dos pés ao de leve tocaram
Fazendo saltitar gotículas de sal
Sal do meu amargo sabor da lágrima
Que teimosa cai sem me avisar

Sem aviso, porque sonhei
Que voava da Chela para o Namibe
Rente ás falésias escarpadas
Lancei-me num voo louco pelo Bimbe
No meu sonho saltei da Tundavala
Que lá em baixo me espera e me embala
Aos voos rentes que fiz ás dunas
Abriguei-me na parca sombra de uma Welwitchia

Voar é divino
Toco-me quando voo e sinto que é real
Entre mim e o meu voo só está o sonho

Mas mortal que sou desprovido de asas
Só me resta sonhar o meu voo eterno


Mas antes quero voar sobre os Fiordes
Planar como um condor nos Andes
Na magnitude brilhante e gelada dos céus
Voar como eu voo quando sonho concluo que,
O meu sonho é um voo perfeito.
SAM

Minha Rumba de amor...

Meu canto, meu choro, minha lágrima
Do nó apertado que me sufoca o ritmo
O soluço que me corta rés o pensamento
Do que me falta e do que me leva a cantar

Meu canto sagrado, minha arte que eu não conheci
Pelas minhas mãos queria tecer o meu trajecto
Por caminhos cruzados, ou na sombra crepuscular
Escutar na falésia o som da minha voz em eco

Não há grito sufocado, existe só um canto, o meu
Onde minha voz rouca na madrugada me embala
O sonho, onde pairo sobrevoando nas asas do vento
Quente do deserto, que me eleva por cima da bruma

Na fenda da escarpa onde meu coração rasga
Exangue por ti me fico, mudo mas não em silêncio
Eis o meu grito surdo que ecoa no desfiladeiro da vida
Clamando por ti, vejo como sou pobre sem ti…

No compasso me rasgo em pedaços mil de mim
Por um gesto teu, um olhar, um sorriso de encantar
Amar assim é doer na alma, amar assim…
Assim amarei e cantarei por um amor que quer amar

Gotas do meu sal cristalizam-se ao canto dos meus olhos
Pedaços da vida em postais rasgados me reflectem o sonho
Sorriso amargo que me esboça o que foi belo nos meus lábios
Belo foi o que de ti escutei, uma melodia rumba de amor

Como dancei voando e como sonhei dançar contigo esta rumba…


SAM

Em memória de um Tango

Brindar ao tango, é brindar a Carlos Gardel
Ainda em 78 rotações sem ser em vinil
Agulha e braço com manivela no gramophone
A voz marcava uma paixão inusitada entre mil

Anos se passam e muitos passos se dançam
La Cumparsita, a Violeta, Mano a Mano
Entre os melhores e sem favor não cansam
Caminito, El Choclo, e o inolvidável Adiós Muchachos

Quem á Média Luz não cruzou olhares intensos
Quem em Mi Buenos Aires Querido não suspirou
Volver, outra vez e tantas quantos passos cruzados
No El Dia Em Que Me Quieras poder dizer que amou

Aqui me prostro e me curvo suado
Dos Tangos que dancei contigo
Jamais sairei deste Baile esgotado
Entre os pares que dançam comigo


SAM

Baía Azul ...pegadas na areia



Marcas deixadas na areia molhada, uma viagem?

foram os meus pés que as deixaram
foi o que deixei depois da minha passagem
porque fui atrás de ti, das tuas que se apagaram

procurei-as em vão na areia das dunas
entre as conchas miríades feitas de pedaços
procurei-as na espuma das ondas
só as vi na areia sob o luar em curtos espaços

do tempo que eu tive para te resgatar
sob o manto estrelado nesta baía
em cada pegada tua meu nome marquei

e cada onda que chegava a espraiar
teu nome me sussurrava suave como cambraia
como seda pura era tua pegada na areia, por isso te amei

SAM

Água da minha Sanga...


Eu bebo a água da minha sanga
a que eu não beber no moringue vou guardar
sabe a terra, sabe a sal, saberá a sangue?
não, são lágrimas furtivas que deixei escapar

Tuas dores e raivas são as balizas que ladeiam a tua longa estrada
por ela caminharás como eu faço na minha
e nesta eu caminho, mesmo alagada
como a vi em sonho e senti que nela se caminha

coberta com água não muito funda se vê
o seu traço sem receio de nos perdermos
não era linear mas em curvas sempre plana e suave
sem temor de quem comigo ia quando a percorremos

Notara porém que meus pés não molhara
muito suave deslizei sempre por cima da água
parecera que simplesmente naquele momento voara
planando nas asas da memória contornando a fraga

O meu amor comigo ia ao no meu colo a levava
no contornar das curvas sustida de emoção
por voar rés á linha tangente da estrada viva

SAM

A Montanha


As botas com que eu caminhei na vida
Depois do cume da montanha da vida ou da morte
Numa pose vindoura da memória viva
É musgo, é sentir o aroma da terra no seu ventre

Nesta bacia me banho e lavo o meu rosto
E o agreste se amacia com sua frescura
Que ficou marcado do frio da natureza, posto
A nu na verdade da montanha pura

A torre máxima do meu refúgio
Meu pico inacessível onde só a alma chega
Vergo-me prostrado procurando o alívio
No meu castelo universal… lá meu corpo sossega

Minha escalada monumental da vida
Árdua e ainda a meio do percurso
Revejo parte dela no passado para
Construir a pulso o futuro

As pontes da vida sobre águas pousam
Calmas ou revoltas, porém puras
Mesmo em memória me refrescam
Pontes no meu percurso são minhas balizas

Por escassos momentos luz e sombras
Raio de sol mostra um esgar fulgurante
No contraste duro da vermelha rocha
A minha sombra como um gigante

No horizonte que é meu e o defino como tal
Não será igual por certo de quem após mim o verá
O meu é maior, grande após enorme, antes do colossal
Como sou tão pequeno ante esta visão… a minha alma o será?

SAM

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Meu Pai... meu Idolo

Como tudo na vida tem um princípio e o meu devo-o aos meus Pai e Mãe, esta é uma história passada a seguir a 1935, é um preito de homenagem a um homem simples e devotado á familia numerosa e que tudo fez para nos dar o que hoje somos. Obrigado Pai


Meu Ídolo…

Tinha um olhar azul anil tão prescrutante como uma onça, via mais longe do que era o necessário, e sabia esperar pacientemente, uma lição de espera que para qualquer outro ser humano poderia ser inquietante, mas não para ele quando se sentava de cócoras e passava todo o tempo que fosse necessário para que pacientemente a presa se sentisse tranquila, tal como a onça atirava-se á presa quando esta finalmente estaria confiante do seu espaço, assim era este caçador que sem pressa se fazia ás presas de que necessitava para gerir a sua vida.
Só havia mais pressa quando cavalgava no seu cavalo e se metia entre as manadas de gungas*, fazendo-o galopar célere entre elas para que se focalizasse nas peças a abater e muito rapidamente pois o factor surpresa na manada era crucial, após o primeiro minuto de confusão entre os animais, todos partiam em debandada desenfreada e a escolha acertada das peças a abater tornar-se-ia extremamente difícil, mesmo numa chana** livre mas com espinheiras na orla mais ou menos fechadas entre elas, que faziam rasgar a pele mesmo protegidas por qualquer couro mais duro que fosse colocado para protecção.
Toda esta azafama teria de ter o seu final rapidamente, no objectivo metido o cavalo a galope entre a manada e munido de uma mutunga***, emparelhando-se com o animal escolhido era necessário posicionar-se deitado lateralmente na sela e executando sobre os quartos traseiros da presa um golpe profundo nos tendões para o fazer cair e assim executando este malabarismo á esquerda e á direita, peça atrás de peça até conseguir um determinado numero de animais que se estabelecera como objectivo, mas evitando ferir fêmeas e crias. Escolha acertada muito dificultada na corrida em galope.
Passada a poeira e o resto da manada em fuga, outras tarefas se propunham na continuidade do havia começado, regressando aos locais onde estavam caídos os animais abatidos, lhes era dado o golpe final pelos seus colaboradores, gente do povo e exímios rastreadores e caçadores de zagaia****, que culminavam com um simples corte de medula.

Cena pungente final presenciada pela minha mãe que evitava ir ás caçadas, fora a de que uma gunga ferida e perto do golpe final que lhe seria executado, tinha lágrimas deslizando pelo focinho.
A vida deles obrigou-os a tomarem uma atitude frontal para os meios de sustento familiar, conversei muito com o meu Pai nos seus ultimos anos de sua vida, e concluiu que a caça não era de modo algum seu hobby predilecto, foi essêncialmente um meio de sustento necessário a uma transição de vida, e ainda bem que assim aconteceu, aprendemos com ele a arte de usar sómente o que era imprescindivel para vivermos tudo o mais era supérfluo, mas em tempo oportuno e fora do seu "tempo de caça" deu-nos as lições necessárias sobre a arte "matar por prazer não é o objectivo do homem", com isso posso afirmar que cacei sob sua orientação, mais tarde sózinho e cedo conclui que não havia nascido para tal, prefiro a caça por fotografia. Não me dá gozo ver um animal morto, prefiro vê-los na pujança de suas forças, defendendo-se ou atacando de acordo com as regras da sua natureza.

SAM


* gunga = antilope de grande porte
** chana = planicie aberta de capim alto
*** mutunga = faca artesanal de lamina comprida
**** zagaia = pequena lança ornamentada

Continuará…

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A Duna

Faz tempo que eu não vinha aqui
Tempo faz em todo o lugar que eu estou
Este tempo é o que eu tenho agora aqui
É o meu tempo disponível para onde vou

Vou por aqui porque quero, e quero sentir
A nostalgia perene no ocaso da minha alma
Tenho muito tempo para estar antes de sair
Quero que o meu tempo seja como a duna

Ela que se move no tempo e o tempo da duna é tão escasso
Tão fugaz como o vento que sopra os seus grãos de areia
Mas que consegue renovar cada grão a cada passo
No tempo inexorável que no horizonte nos encandeia

Dunas da nossa vida, umas atrás de outras
Quantas foram as que passamos
Nenhumas iguais a qualquer outras
No eterno sopro do vento nos movimentamos

Quantas dunas ainda faltarão passar
Para que termine este deserto
Ao oásis verde e fresco de água pura chegar
Sentir que de ti estou mais perto

SAM

Aromas e sons da minha terra...


Nasci cidadão do mundo e dos lugares onde vivi
Não importa ter nascido aqui ou ali ou em nenhum lugar
Simplesmente sem escolha, mas afortunada hora que ali nasci
Por um quarto século se cumpriu a vida que eu iria gostar
Por esse tempo curto que bem longo me pareceu…
Pareceu porque havia em mim outra dimensão entranhada


Porque lá aprendi a sentir os aromas da terra…
A reconhecer o cheiro dela após as primeiras gotas da chuva
Nos remoinhos sentir a areia á minha volta, em força projectada
Nas brisas mornas das searas onduladas, o cheiro do trigo…
O ocaso nas praias, sal e iodo misturados na cor do sol vermelho
O bater das ondas contra as rochas, outras espraiando-se nas areias
Das eiras de secagem, das salinas e do peixe seco…


Quando escutei o rufar da água nas cachoeiras sobre as pedras
Senti o aroma do musgo em gotículas esvoaçando
Recordo-me da poeira levantada na planície na passagem do gado
E na savana onde os antílopes galopavam em sobressaltos
Do quente deserto o horizonte que se movia em ondas de calor
Dos desfiladeiros e escarpas onde o eco tem vida própria
Na profundidade medida por uma pequena pedra do alto atirada …que ecoa


Tchanika o’kwiva, o’tchilongo tcheto

SAM

As Mulembas da Chibia




Muitas foram as Mulembas que secaram
Uma por cada vida que mudou
Na minha, passarinhos sempre poisaram
Sossegados, pois nem o "wui" se tirou

Outras vi que ainda não secaram de todo
A golpes de "catana" e "kandajaviti"
De seiva feridas escorriam no seu tronco
De Majestosas árvores seus frutos os colhi

Mulemba, na tua copa se escuta o chilreio de festa
Da tua sombra fresca sedes se mitigaram
Cansaços, ombros pesados da vida do que resta
Mulemba, hoje de ti alguns poucos se recordam.

Mulemba, na tua sombra vidas se cruzaram
Ao pé de ti alguém esperara pelo amor da sua vida
Junto ao teu tronco mil promessas se gravaram
Ao cair de cada folha tua, página do meu livro se vira

SAM

Continuar assim

Ser-se poeta sem o saber
É ouvir da alma a sua voz
É escutá-la nua e escrever
É puro o que se apodera de nós

Saber que se é poeta, como é difícil de o ser
Entrega mais de si pelo coração
Dá o que pensa e compõe como quer
Basta-lhe papel e pena, na escrita á mão

De louco e de poeta diz-se por aí
Todos temos um pouco e de amor á mistura
Temos o principal, o momento em si
Escrevemos e só o sonho perdura

Não quero ser poeta
Mas quero em verso escrever
Não serei nunca profeta
Para o futuro o poder viver

Soltam-se-me palavras ao vento
Quero agarrá-las, dos meus dedos se escapam
Como areia, sobre uma folha as alinhar eu tento
Umas tão difíceis, do papel escorregam

Na certeza fiquei convencido de vez
É muito difícil de o ser, vejo por mim
O que eu começara mal e o que me fez
Decidi, acordei, vou continuar assim.

SAM

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Aves e Flores...

São tão próximas umas das outras
Numa relação recíproca de amor
São tão parecidas entre umas e outras
São perfeitas na sua forma e valor

Olho para uma Petúnia ou Amor-perfeito
Vejo um Colibri sugando seu néctar
Ao perfil de uma Estrelícia, eu espreito
Uma Fénix renascida, sugere-me o olhar

A Flor Silvestre a que eu mais gosto
É singela na forma, exuberante nas cores
Sabe por definição seu lugar e posto
Pequena sempre no espaço entre outras flores

A chuva, a seca, a fauna se encarregam delas
Prematuramente campos floridos se devastam
São acima de tudo a melhor fonte de vidas
Que muitos outros seres aproveitam

O pólen para o mel e suas fiéis trabalhadoras
A essência para outro aroma que nos perfuma
Subtilmente as nossas vidas cruzadas
A fragrância em gotículas na pele de quem se ama.

SAM