terça-feira, 21 de setembro de 2010

CHIBIA a nossa Terra

O que é o sentimento chamado Chibia?

Para quem não conhece o lugar nem as gentes pode parecer uma simples “estoria”, sem história!
Remontam á época nos finais do século XIX muitos factos narrados por quem viveu e passou por lá e que não vou contar, mas hoje como testemunhos para além das seculares “mulembeiras” vivas, lado a lado com o que sobrevive ou é reconstruído permanecem os escombros de paredes de adobe, moribundos, silenciosos e revestidos por vegetação que a natureza se encarrega de cobrir com o seu manto, do espaço que outrora fora seu.
A ausência de gentes que mantivessem os lugares apetecíveis, frescos e promissores no futuro fez com que aqui e ali e pelas redondezas os pedaços dessa vivência aflorem por entre “vissapas” de “mirangoleiros” e “goiabeiras” na esperança de que melhores dias recubram suas paredes caídas com novo reboco, talvez caiadas de branco e ocre ou anil nos rodapés e vivos das ombreiras das portas e janelas, naquele peculiar jeito de casas seguidas tipo “comboio”, entre portões, alinhadas no sentido da rua. São também testemunhos os restos dos frondosos pomares de citrinos, frutos que caracterizavam a região, agora desprovidos de arvores e invadidos por tabaibeiras, matipas-tipas e “mal-picas”.
O resto do traçado da linha do comboio sem dormentes e carris, agulhetas, depósito de água para a caldeira da locomotiva, armazém da lenha e suas pontes em ferro, está também coberto em parte por vegetação ou serve de “picada” para quem se desloque a pé ou bicicleta. O ver tudo isto fez-me sentar sobre um marco de km ao lado da ex via-férrea e pensar sobre a história e desígnios de uma Vila.
Houve um tempo em que o silvo agudo de um apito a vapor se fazia anunciar perto das passagens de nível, anunciado a chegada de uma locomotiva, resfolegando nuvens de vapor e fumo negro puxando meia dúzia de carruagens, seus passageiros e haveres e a desejada “mala do correio” em que o velho Bento “continuo dos CTT” aguardava ansiosamente assim com os restantes, sabendo que este de regresso ao posto de Correios as noticias estariam em breve nas respectivas caixas e enquanto isso se passava, outras pessoas preferiam não ir á estação dos CFM, mas ficar em amena cavaqueira aguardando que a mala do correio chegasse e fosse processada a sua distribuição. A população na sua grande parte deslocava-se á estação para como mirone assistir á chegada e partida e não só mas também para tratar de seus envios e cargas esperadas e quiçá como passageiro. O vínculo de ligação entre povoados pela via-férrea era muito forte, e tornou-se ainda mais com a introdução da vagonete motorizada a gasolina e apelidada de “drazine” que era muito mais rápida que o tradicional comboio, fazendo jus á preferência na sua utilização.
As estradas eram verdadeiras picadas esburacadas, ora poeirentas ora lamacentas dependendo do estado do tempo o que tornava demorada as viagens de carro ou carreira, sendo esta ultima a segunda opção de viagens, quer da EVA ou Pereira Simões e os nossos conhecidos (Gordon) e temerários motoristas que levavam tudo o que a carreira mista (passageiros e carga) poderiam levar, mais os recados pessoais de um amigo para outro amigo, do género “olha diz ao fulano que aqui o beltrano vai tratar do que pediu” a palavra estava dada e assunto encerrado.
Mas o mais importante para que este lugar tivesse sido eleito há mais de um século e determinante foi o seu rio, o Tchimpupunhime, rio de muitas aventuras para os miúdos e jovens, em jangadas de troncos de bananeira, da paciência da pesca com anzol e gafanhoto como isco á falta de minhoca e até miolo de pão, sempre se conseguiam umas “palapalas” e “bagres”, de nadar em locais proibidos como o “poço” e mergulhar da “ponte” pequena. Mas este e principalmente era o rio do manancial de rega servida por um açude e dois canais que transportavam a água aos quintais com pomares e hortas férteis, distribuição controlada por um zelador e aguadeiro municipal. Também os canais eram de polémica entre utentes, pela pouca quantidade de água servida, pelos desvios não controlados ao longo do seu percurso, e da dependência acautelada de quem tinha um velho motor provido de bomba para puxar água do rio, na falta da servida pelo canal. Com isto tudo o verde dos pomares contrastava com a cor laranja e amarela dos frutos ainda nos ramos, e aguçava-nos o apetite e vontade de saltar o muro para tirar fruta ao vizinho, nunca a nossa.

Mas que juventude tão irreverente e inquietantemente salutar.
Por falar em juventude e claro está que sem os mais velhos nada se poderia fazer, e graças a eles a famosas Festas de “S. Pedro da Chibia”, sempre organizadas por uma comissão de festas nomeada para tal, com preparativos acautelados na sua concepção e com o apoio da camada jovem regressada de férias do ano lectivo terminado. Desde o local escolhido para o recinto das festas ao programa extenso e preenchido que a comissão levava a rigor, passando pelo trágico incêndio nas vésperas da abertura de uma das festas e a célere recuperação para que as mesmas se realizassem “in tempus”, graças ao abnegado esforço de todos os habitantes e contribuição das populações vizinhas tudo se compôs para uma das melhores festas vividas, porém a tragédia tem o dom de nos modificar e assim passamos no ano seguinte para um salão especialmente construído pelo município, com a participação total dos jovens para a sua decoração de estreia. No mesmo sítio outrora existiu um pátio aberto com colunas das quais suspendiam buganvílias, e que já fora lugar de outros arraiais de S. Pedro e não só.
Tudo isto é só um pouco da Chibia, pois também foi e é um centro escolar de centenas de alunos e professores, primária desde os nossos bisavós e artes e ofícios e actualmente com secundárias.
Ao início dos anos 70 a Chibia mudou o traço mais característico que detinha que era das suas casuarinas quase seculares ladeando algumas ruas e que tiveram de ser abatidas por obras de saneamento e alcatroamento de ruas. Projectos novos regra geral não se compadecem com flora, mas mesmo assim se conservaram as acácias e os jacarandás mantendo-se a sua graça sobretudo pela sua gente que sempre está na origem da sua génese. O de ultrapassar o obstáculo e seguir o caminho.
Sentir a Chibia também é conhecer as suas redondezas, pois muita gente partiu daqui para o Chinquerere, Jau, Capunda, Chaungo, Capande, Hampuca, Cangalongue, Quihita, Dongue, Chiange e tantos outros lugares quantas gentes nesta terra nasceu e viveu uma parte da sua vida e a ela ficou definitivamente ligado.
Sentir que a Chibia fará para sempre parte das nossas vidas, porque são as raízes que nos seguram, porque são os laços que nos uniram a outras pessoas, porque todo o passado de quem viveu, amou e transformou aquele pedaço de chão e nos transmitiu o legado foi para que hoje nós seguíssemos o melhor caminho e por isso merecem o nosso profundo respeito e dizer-lhes que não foi em vão o que construíram. Quem não ama a Chibia?
Aos meus Avós, aos nossos antepassados e amigos da Chibia do presente.

Sem comentários: